*Jairo Scholl Costa (**)

Os pomeranos foram a mais importante etnia germânica na formação da Colônia de São Lourenço, fundada em 18 de janeiro de 1858. Representam 81% do total da massa imigratória que se estabeleceu na colônia da Serra dos Tapes e que devido ao sucesso do empreendimento foi propulsora da criação do Município de São Lourenço do Sul.
Os pomeranos são oriundos da Pomerânia, antiga província da Prússia. Sua origem mais antiga remonta a tribo Wende, que acompanha o avanço dos eslavos rumo ao Ocidente, os quais ocupam quase metade da Europa em torno do ano 600 D.C.
Os Wendes ocupam as terras meridionais do mar Báltico, e a esta terra denominam de Po Morje, ou seja, “terra perto do mar”, que originou o nome Pomerânia.
A Pomerânia é conquistada pelos poloneses por volta do século XI, mas estes não conseguem estabilizar a ocupação, face à resistência dos pomeranos.
Como são politeístas, polígamos e animistas, a solução encontrada pelo Duque Boleslau II da Polônia foi procurar o Bispo Otto de Bingen na Baviera, no sentido de que este cristianizasse os
pomeranos. Inicialmente, a tarefa foi dura, porém Otto, percebendo que eram um povo de grandes pescadores de arenques, e que tinham dificuldades na conservação do pescado, pois o sal era muito escasso, começou a enviar com os missionários, também, grandes quantidades de sal para que ospomeranos os usassem na salga dos peixes.
O gesto foi bem recebido e desta forma a pregação do cristianismo foi feita sem maiores dificuldades. No ano de 1124, os pomeranos através de seu Duque Wartislaw, receberam o Bispo Otto de
Bamberg, iniciando uma aproximação não somente com a Igreja, mas com os estados germânicos. Naquele tempo, havia forte temor por parte dos pomeranos, de que os poloneses pudessem
voltar a ocupar a Pomerânia. Através de uma intermediação de Otto de Bingen, os duques pomeranos firmam acordos de defesa com o rei Lotário da Saxônia, senhor de poderosos exércitos,
e com isto os poloneses abandonam as pretensões na Pomerânia. Esta por seu turno afasta-se do mundo eslavo.
A germanização ocorre rápido. Os pomeranos atraem nobres, comerciantes, artesãos e colonos alemães para se estabelecerem no território da Pomerânia. Logo, a própria língua wende de raiz eslava vai sendo abandonada em favor do Platt-Deutsche, um dialeto falado durante a Idade Média ao longo dos mares do Norte e Báltico. Os pomeranos o incorporam, mas como não
conseguem absorvê-lo por inteiro, usam desinências gramaticais wendes, o que leva ao nascimento do dialeto pomerano, ainda falado em São Lourenço do Sul.
Mais tarde, após inúmeras guerras com suecos, dinamarqueses e russos, firma-se a posse da Pomerânia pelos estados germânicos, como Prússia-Brandenburgo, e finalmente após as guerras napoleônicas, no ano de 1817, surge a Província Prussiana da Pomerânia.

Quando os pomeranos chegaram a São Lourenço do Sul em 1858, eles aportaram como cidadãos da Prússia, devendo se ressaltar que o nascimento da Alemanha somente veio a ocorrer em 1871.
Em 1945, com a derrota da Alemanha Nazista, a Pomerânia deixa de existir. É entregue ao domínio da Polônia e os pomeranos obrigados a abandoná-la, sendo deslocados pelo Exército Vermelho para além da linha dos rios Oder e Neisse, que com a cidade de Stettin eram a divisa entre a Polônia e a República Democrática Alemã, que estava na esfera de influência da União Soviética, enquanto que a República Federal da Alemanha estava no círculo de influência dos Estados Unidos da América, Grã-Bretanha e França.

Em 1990, como resultado da reunificação da Alemanha, a parte ocidental do antigo território da Pomerânia volta a integrar a Alemanha, com o nome de Mecklemburg-Vorpommern. Porém, a Pomerânia inteira e unida como era, deixou de existir para sempre.

O Povo

Os pomeranos eram pescadores, notáveis construtores de barcos e experimentados marinheiros, mais tarde, também agricultores. Tornaram-se exímios plantadores de batata inglesa procedente da América.
Contudo a explosão demográfica, a rigidez do sistema de latifúndios, o advento da máquina a vapor no campo, levaram milhares ao desemprego e consequentemente a imigrarem. A grande maioria foi para os Estados Unidos da América, e outros para a Austrália e Brasil, sendo que aqui se dirigiram para o Espírito Santo e Rio Grande do Sul, especialmente, o município de São Lourenço do Sul na metade sul do estado.
Como eram oriundos de terras planas com poucas elevações, embora, levados para as terras altas de São Lourenço do Sul, muitos encontraram condições ideais de terras e águas para desenvolverem criações de gansos das quais eram famosos na velha Pátria, o que notabilizou a colônia ao longo do período imigratório.

Tradição e Costumes

Os pomeranos são um povo muito apegado aos valores tradicionais, e isto eles trouxeram na sua bagagem para o Novo Mundo, havendo aqui uma reprodução de seus hábitos.
O casamento ou Hochzeit é um das mais importantes festas. Sua marca mais lembrada é a figura do convidador ou Hochtiedsbirrer. Normalmente é o irmão mais jovem da noiva, a quem os pais incumbem de levar o convite do casamento. Ele se veste com as melhores roupas, usa um chapéu com penas ou tiras de tecidos coloridas. O cavalo é enfeitado com fitas e flores.
Ele vai às casas fazer o convite, que é oral. Chegando ao local ele anuncia numa espécie de ladainha o nome dos noivos, dizendo que terão muito prazer que a família vá ao casamento, que não se preocupem em levar talheres, que a comida e bebida serão fartas, e que haverá muita música e diversão.
Feito o convite, a família demonstrando que o aceitou, prende no casaco ou chapéu do convidador uma fita colorida. Oferecem licores ou aguardente. Também, alcançam alguma quantia em dinheiro, para que o convidador e pessoas por ele contratadas ajudem a receber os convidados no dia do casamento, levando os cavalos para os estábulos, livrando-os de seus arreios e depois, preparando-os quando os convidados retornavam.
O Polterowende é um hábito pagão dos pomeranos, que antes do casamento se realizar, costumam com grande estardalhaço quebrar pratos e jogar ramos verdes de árvores no salão da cerimônia, que são varridos, acreditando que com isto levam junto os maus espíritos.
A canja de galinha com nudel (uma espécie de macarrão) é obrigatória no casamento, pois imaginam que a galinha tem poderes de denunciar a chegada de maus espíritos e assim se os noivos e convidados a tomarem juntos, terão poderes de perceber e espantar esses sobrenaturais seres de suas casas e vidas.
Também, existe o hábito de correr uma caixa entre os convidados para que estes depositem livremente a quantia em dinheiro que desejarem. No Brasil, esta tradição esta ligada ao pagamento dos músicos, já na Pomerânia antiga, chamava-se de “dinheiro dos cozinheiros”.
Outro detalhe interessante era que a noiva casava com um vestido de seda preta. Esta tradição tem várias versões. Existe a de que o preto significava o respeito pela cerimônia, outra seria de que o preto era a cor da roupa das rainhas e princesas, portanto, no dia de seu casamento a noiva sentir-se-ia como uma delas, e também, que seria uma lembrança da prima note de um costume medieval.
Outro detalhe é que sobre a cabeça da noiva, colocava-se uma grinalda de murta e o véu.

Os bailes são comuns na vida, mas um deles é especial. É o baile do kraval. É o baile no qual num determinado momento, uma tira de pano é pendurada no lampião central do salão. É o sinal, que naquele momento, são as mulheres que passam a convidar os homens do salão para serem seus parceiros nas danças.

As flores fazem parte da vida do pomerano. Invariavelmente, a casa pomerana tem seu jardim. É dele que vem as guirlandas para os casamentos, batizados, noivados, festas de batizado e mesmo para enfeitar os túmulos. Entretanto, situada no frio norte da Europa, a Pomerânia desfruta de flores por poucos meses, motivo pelo qual suas mulheres desenvolveram a fina habilidade artesanal de dessecarem as flores. Com tanta perfeição as desidratam que parecem vivas. Por esse meio, os pomeranos têm flores o ano inteiro, para qualquer eventualidade, independente da estação.

A culinária Pomerana

A culinária pomerana é variada, pontifica na sua cozinha o uso da batata através de várias formas, como cozidas, fritas ou assadas. Porém, uma espécie de bolinho frito (na forma de um pequeno bife) feito de batata ralada com leite e temperos verdes, chamado de rivelspah, faz sucesso entre pomeranos e não pomeranos, especialmente acompanhando uma sopa de lentilhas. O repolho salgado em conserva, conhecido por sauerkraut é importante componente da dieta pomerana.


Também há uma especiaria, que é famosa em toda costa dos mares Báltico e do Norte, oriundos da Pomerânia, é o peito de ganso defumado. Grandes criadores desta ave, da qual retiram as penas e plumas que forram seus acolchoados para as geladas noites setentrionais, o peito de ganso é curado com sal durante alguns e depois por mais três ou cinco dias é defumado lentamente na fumaça de madeiras apodrecidas, sem a presença de chamas. Ao fim do processo, surge uma peça dourada pela gordura por fora e de cor rubi por dentro, que é cortada em finas fatias como um carpaccio. Come-se puro ou deitado sobre fatias de pão preto, acompanhados de uma bebida típica.
Os camponeses pomeranos também cozinham uma sopa feita a partir do sangue do ganso, misturado com farinha e limão/vinagre, que dão o nome de schwartzsauer, que tomam com pão. É semelhante ao molho da brasileira galinha ao molho pardo.
Também, são muito apreciados produtos suínos como lingüiças defumadas
(Geräuchterwurst), morcilhas (Blutwurst) , patés (Lebenwurst) e queijos de porco.
Todos esses produtos são encontrados no interior de São Lourenço do Sul, onde também, se produzem produtos lácteos como o Hüttenkäse, que é um queijo colonial, jovem, pouco curado e de excelente sabor.

Na páscoa...

Na Páscoa, um dos costumes mais interessantes dos pomeranos, é o Stiepen, que significa “cutucar alguém” No Domingo de Páscoa, muito cedo é hábito das crianças acordarem os pais e avós cutucando-os com galhos. A explicação é que os galhos cortados algum tempo antes pelos adultos e deixados numa vasilha com água, acabam apresentando brotos no dia de Páscoa. Sendo época da Ressurreição de Cristo, aquele galho antes parecendo morto, naquele dia com os brotos, está a apontar que a vida venceu a morte.

Em algumas regiões da Pomerânia, o Stiepen é praticado por jovens de rosto pintado de negro, que durante a noite de assalto cutucam os que estão a dormir, pois segundo a tradição desses lugares ninguém deve dormir na noite que antecede o Domingo de Páscoa.
Esta tradição ainda é encontrada em lugares do interior do município de São Lourenço do Sul.

Quando uma casa é construida:

Quando uma casa é construída, é hábito pomerano herdado de seu passado pagão, colocar uma coroa de ramos verdes na cumeeira da casa. É augúrio de boa sorte aos que ali vão habitar, pois acreditam que espíritos ruins ao verem a coroa se afastam da casa.

Nota Explicativa: O roteiro Caminho Pomerano pode ser considerando um dos mais avançados projetos de manutenção da cultura e tradições pomeranas feitos no Brasil sem correspondente no resto do mundo onde imigraram pomeranos, inserindo-os no trading turístico, o que duplamente beneficia os descendentes de pomeranos no interior de São Lourenço do Sul, pois ao mesmo tempo em que preserva a língua – verdadeira pátria do povo pomerano na diáspora – tradições e cultura, também proporciona uma renda suplementar as famílias que participam como empreendedores. Tal importância é reconhecida pela lei municipal n° 3.782/2017, que considera de relevante interesse turístico e cultural em São Lourenço do Sul e através da lei Estadual de n° 15.421/2019, que considera de interesse cultural e turístico no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul.

(*) Jairo Scholl Costa é advogado, pesquisador e escritor.
(**) RuralidadesSul é responsável pela divulgação – www.ruralidadessul.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *